Elas e eles estão lá fora para que nós possamos estar cá dentro. É melhor ficar em casa por opção... do que entubado por obrigação
Duarte Gomes deixa a arbitragem de lado para aproveitar para agradecer a todas as pessoas que estão a arriscar a vida a ajudar o país, neste período de pandemia: "Caro leitor, lembre-se de todos eles de cada vez que achar que estar em casa é chato e aborrecido"
27.03.2020 às 18h08

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Ao longo das últimas semanas, temos assistido a uma transformação radical dos nossos hábitos. Estamos agora a viver uma espécie de "shut down".
A maioria dos países europeus aconselhou os seus compatriotas a ficarem em casa. O mesmo foi pedido a cerca de 160 milhões de norte-americanos e exigido a 1.3 biliões de indianos. Além destes, muitos outros países também pediram à sua população que não saísse à rua.
O objetivo de todos é o mesmo: impedir o crescimento da curva. Controlar danos. Evitar a propagação do vírus.
São tempos estranhos, que antecipam um cenário novo e substancialmente diferente quando tudo isto terminar.
Mas enquanto a maioria de nós permanece, seguro, no resguardo dos seus lares, muitas outras pessoas estão na rua.
Há, na verdade, um mar de gente que diariamente se expõe a riscos elevados só para que os nossos sejam mínimos. Só para que não nos falte nada.
Essas são pessoas de valor. De muito valor.
São pessoas que merecem o nosso respeito e reconhecimento. E quando falo em respeito e reconhecimento, não me refiro a meia dúzia de aplausos bem intencionados ou a agradecimentos de circunstância.
Estou a falar de respeito a sério! De reconhecimento a sério!
Respeito e reconhecimento que partem cá de dentro, da alma. Que são pensados e sentidos, antes de serem falados.
Que percebem a dimensão do que está em causa. E o que está em causa é muito simples: elas e eles estão lá fora para que nós possamos estar cá dentro. Ponto final, parágrafo.
Para mim, essa é a expressão máxima do altruísmo. Uma das melhores lições que podemos retirar desta fase.
Já aqui falei sobre o mérito gigante de todos os profissionais de saúde: médicos e enfermeiros, TSDTs, pessoal das ambulâncias, assistentes operacionais, auxiliares, administrativos, pessoal das limpezas... mas não falei de tantos e tantos outros que, fazendo coisas diferentes, não deixam de ser essenciais ao funcionamento da nossa sociedade.
Sem esses, tudo parava. E, por causa deles, nada está parado. Não tão parado como muitos pensam.
Refiro-me, por exemplo, às autoridades e forças de segurança: PSP, GNR, Judiciária, SEF, ASAE, funcionários judiciais e afins, que garantem e impõem a ordem pública, evitando o caos e o crime. Dando-nos, dentro do possível, o conforto e a segurança física que precisamos.
Refiro-me também aos bombeiros e a todos os seus fantásticos voluntários, que de forma generosa e bondosa, estão dispostos a acorrer a qualquer situação aflitiva só para nos livrarem dela.
Refiro-me ainda aos que têm cargos mais invisíveis ou desvalorizados mas que são, por estes dias, mais valiosos do que nunca:
- A rapaziada de toda a restauração e também da Glovo e Uber Eats; os canalizadores, eletricistas e mecânicos; o pessoal que trabalha em papelarias, talhos, padarias e supermercados; os seguranças que trabalham em empresas e instituições; os funcionários bancários e dos CTT; os jornalistas e restantes equipas de televisões, rádios e imprensa escrita; os trabalhadores dos aeroportos e portos marítimo e também os comandantes e assistentes de bordo; as pessoas que trabalham nas gasolineiras ou operam em estradas concessionadas; o pessoal que recolhe lixo e assegura a limpeza/desinfeção das nossas casas e ruas; os pescadores; os taxistas e funcionários de transportes públicos; e até os nossos responsáveis máximos, que - com maior ou menor aceitação, com maior ou menor acerto - têm dedicado horas a fio a tentar encontrar formas de equilibrar um país, defendendo-o como podem e sabem, de um inimigo maldito, que ninguém conhece bem.
Terão seguramente escapado muitas outras áreas de atividade, mas não escaparam na intenção e no agradecimento sincero.
Têm todos, todos sem exceção, a minha gratidão.
Quanto a si, caro leitor, lembre-se de todos eles de cada vez que achar que estar em casa é chato e aborrecido.
Eles estão a fazer tudo por nós. Nós não estamos a fazer nada por eles.
Não se esqueçam: é melhor ficar em casa por opção... do que entubado por obrigação.
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