O que hoje é futebol, antes era “The English Game” (em tempos de reclusão, uma minissérie que não pode perder)
Numa altura em que, devido à pandemia provocada pela Covid-19, não há futebol, nada como aproveitar para ver uma série... sobre futebol. "The English Game" estreia esta sexta-feira na Netflix e conta, em seis episódios, a história do início do futebol no Reino Unido
20.03.2020 às 12h17

Oliver Upton
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Há duas maneiras de abordar o "The English Game": a primeira, mais óbvia, é sendo fã de futebol, já que esta é uma história sobre a génese do jogo no Reino Unido; a segunda, menos óbvia mas igualmente pertinente, é, mesmo não sendo fã de bola, sendo fã do belíssimo drama histórico "Downton Abbey".
É que a novíssima minissérie da Netflix, que estreia esta sexta-feira (mesmo que num HD, vá, um pouco menos definido), foi escrita e produzida por Julian Fellowes, o criador de "Downton Abbey", série aclamada - não da Netflix, mas da britânica ITV - que entretanto deu um filme e que recolheu pelo caminho um rol de Globos, Emmys e afins.
Aqui chegado, se o leitor está a pensar "que raio é um Downtown Abbey", não se preocupe (ainda que, enquanto fã, o aconselhe vivamente a ir ver a série, claro), pode passar à frente à confiança, porque provavelmente cumpre a primeira forma de abordagem ao "The English Game": gosta de futebol e, convenhamos, numa altura em que não há futebol em lado nenhum (a não ser que se goste de ver futebol bielorrusso), mais vale ver uma série sobre futebol do que nada.
E "O Jogo Inglês", traduzindo o título à letra, não é uma história qualquer: este drama histórico não só é baseado em eventos reais como tudo foi feito para agradar aos fãs do jogo, incluindo filmar as cenas dentro de campo com câmaras que são utilizadas nas transmissões televisivas da Premier League.



























Obviamente, os jogos do século 19 não eram televisionados, mas nem por isso havia menos rivalidade nas disputas, já que o que começou por ser um jogo elitista, reservado à aristocracia inglesa, passou a ser invadido pelos trabalhadores, culminando numa luta de classes que deu origem ao futebol que temos hoje.
É essa luta, cujo auge é a final da Taça inglesa de 1883, entre os aristocratas da Eton College, liderados por Arthur Kinnaird, e os operários de Blackburn, que é contada nos seis episódios da série, entre histórias que vão bem além da tática - ainda que a tática seja também importante referir: o sistema utilizado pelos rapazes de Eton era um... 1-1-8.
"Parece uma loucura hoje em dia", nota Mike Delaney, o "coreógrafo de futebol" oficial da série e ex-internacional inglês de futsal, à BBC. "Tentei tornar tudo o mais autêntico possível", acrescentou, explicando que o sistema utilizado também se baseava no râguebi, já que antes de ser o futebol que conhecemos hoje, o jogo era jogado com diferentes regras consoante quem o jogava, e havia quem o jogasse com os pés e com as mãos. Daí que mesmo quem o jogava apenas com os pés, como Eton, seguia de certa forma as tendências do râguebi, ao mover a equipa constantemente como um conjunto unido.
Contudo, os underdogs de Blackburn tinham uma forma de jogar bem diferente, menos física e mais técnica, mais baseada nos passes como forma de ultrapassar os adversários e atacar, algo que naquela altura já era tendência na Escócia, ao contrário do que acontecia em Inglaterra. E Blackburn tinha isso porque tinha como líder o escocês Fergus Suter, um dos poucos - ilegalmente, refira-se - contratado para jogar futebol, a espalhar esta nova forma de jogar.
Mas é mais ou mais aqui que termina a parte "real" da série: Suter é apresentado como a estrela dos Blackburn, mas o escocês só jogou nos Blackburn Rovers e, em 1883, nem sequer era essa a equipa de Blackburn a disputar a final com Eton - eram os Blackburn Olympic.
A liberdade criativa não fere, no entanto, a essência da história: foi nesta altura que o jogo deixou de ser mais ligado ao râguebi, às escolas e ao amadorismo, ou seja, no fundo, mais antiquado; e passou a ser mais moderno, com uma nova forma de jogar, com clubes do norte, como ambos os Blackburn, a dominar, e com o profissionalismo finalmente a ser legalmente permitido.
O resto, como se costuma dizer, é história. E o jogo deixou de ser inglês - e escocês... - e passou a ser global.
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