Operação Lex: José Veiga, um amigo de 250 mil euros que não se podia “esquecer de enviar as fotos”
A amizade entre José Veiga e Rui Rangel começou por causa do Benfica e irá acabar numa sala de audiências de um tribunal. O antigo empresário de jogadores é acusado pelo Ministério Público de corromper o juiz com 250 mil euros para conseguir favores em processos em que era arguido. O dinheiro pagou uma campanha presidencial ao Benfica, rendas de casa e carros. E terá valido uma absolvição
21.09.2020 às 19h38

FRANCISCO LEONG
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Os homens precisam de coisas em comum para forjar uma amizade. No caso de José Veiga e Rui Rangel, foi o Benfica. Sabendo que o juiz é “doido” pelo clube de que já foi dirigente, o ex-empresário FIFA delineou um plano em que uma mão lavava a outra. Veiga ajudaria Rangel a chegar à presidência dos encarnados e o juiz ajudaria o empresário a livrar-se de uns incómodos processos judiciais por dívidas fiscais.
Segundo a acusação da Operação Lex, a que o Expresso teve acesso, em 2011, quando já tinha sido condenado por um crime de fraude fiscal e ao pagamento de cerca de 170 mil euros no processo João Vieira Pinto - e se se preparava para recorrer da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa -, José Veiga aproximou-se de Fernando Tavares, na altura ex-vice-presidente do Benfica (agora está de regresso à direção do Benfica) e do advogado Jorge Barroso para “avaliarem a possibilidade” de avançarem com uma candidatura do juiz Rangel contra o presidente Luís Filipe Vieira.
Na altura, alguns elementos do núcleo duro de Rangel consideravam o apoio de Veiga “corrosivo” e avisaram o juiz de que teria mais “a perder do que a ganhar” caso aceitasse o apoio de Veiga.
De acordo com o Ministério Público, para “criar um clima de permeabilidade” Veiga decidiu simplesmente comprar a cumplicidade de Rangel financiando a campanha com 55 mil euros. O dinheiro era transferido de uma empresa congolesa de que Veiga era beneficiário e passava para uma conta do filho do advogado Santos Martins, que na altura dos factos tinha 23 anos e um saldo bancário próximo do zero.
"Fica tranquilo"
Barroso e Tavares intermediavam os pedidos e as entregas de dinheiro a que se referiam como “fotos” e “álbuns”. Por exemplo: Fernando enviou um e-mail a Veiga dizendo que tinha sido necessário decorar a sala onde tinha decorrido um jantar da campanha “com mais 20 fotos . Ou seja, 40 no total”. E no dia seguinte insistiu: “Amigo, não te esqueças de me enviar as fotos."
Veiga respondeu com um tranquilizador “fica tranquilo”.
A acusação diz que Veiga se ofereceu para “ajudar” Rangel com os vários encargos financeiros que o juiz tinha e através da empresa congolesa pagou, por exemplo, o seguro de um Smart e a renda da casa onde o juiz morava.
Na altura em que o recurso de Veiga chegou à Relação de Lisboa, Rangel começou a retribuir o favor: através do presidente do tribunal, Luís Vaz das Neves e com o conhecimento do oficial de justiça Otávio Correia, o recurso foi entregue ao desembargador Rui Gonçalves (que já tinha recebido por mail a defesa de Veiga) que acabou por absolver Veiga do crime a que tinha sido condenado na primeira instância.
Rangel já teria beneficiado de 70 mil euros com origem em José Veiga, mas queria mais. E numa escuta intercetada pela PJ é apanhado a insistir com Veiga depois de este não lhe responder a chamadas telefónicas. “Não compreendo, não aceito e penso que não mereço o seu comportamento”.
Noutra ocasião, desesperado com a falta de resposta de Veiga, Rangel desabafava: “Isto é demais, parece um filme de ficção. Penso que não mereço o que se está a passar”.
Num ano, entre agosto de 2012 e setembro 2013, segundo as contas do Ministério Público, Veiga pagou 250 mil euros a Rui Rangel a troco de ajuda no recurso que viria a vencer e ajuda num processo fiscal num tribunal de Sintra que Rangel prometeu mas não terá cumprido. Apesar do apoio de Veiga, perdeu claramente as eleições para Luís Filipe Vieira que também é acusado na Operação Lex por ter pedido ajuda ao ex-adversário num processo fiscal que envolvia a empresa do filho.
Rangel prestou ainda um favor que qualquer pai agradeceria. Intercedeu junto a um professor da Universidade Católica para que ajudasse o filho “de um grande amigo” a entrar para o curso de gestão. O filho de Veiga entrou, mas a acusação não esclarece se houve mão amiga.
José Veiga está acusado de um crime de corrupção ativa para ato ilícito agravado. Arrisca cinco anos de prisão.
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