Guerra entre Benfica e CMVM deverá acabar nos tribunais (a discutir onde clube foi arranjar dinheiro)
Fugas de informação e negócios entre empresas do grupo Benfica fazem parte da discussão sobre a OPA à SAD, operação que, desde novembro, tem colocado o clube num turbilhão mediático
24.03.2020 às 12h00

RUI MINDERICO
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A oferta publica de aquisição (OPA) lançada pelo Benfica à sua sociedade anónima desportiva poderá ter como destino o tribunal. O clube, através da Sport Lisboa e Benfica SGPS, admite ir para a justiça para contestar o entendimento do regulador, que travou a OPA devido ao modelo de financiamento definido para a operação. Pelo meio, o Benfica vai sugerindo que, se houve fugas de informação, não foram da sua parte.
Esta segunda-feira, 23 de março, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) entregou à SAD a decisão de que, nos atuais moldes, a OPA lançada pelo clube é chumbada devido a irregularidade na forma escolhida para financiamento – que, até agora, nunca foi comunicada ao mercado pelo Benfica. A SGPS detém 67% da SAD, querendo chegar aos 95% nesta OPA. Após a posição do regulador, ainda há espaço para a pronúncia da SGPS e, por isso, para poder vir a alterar a sua forma de financiamento.
Entre o clube presidido por Luís Filipe Vieira e o regulador sob o comando de Gabriela Figueiredo Dias, a interpretação jurídica sobre o modelo de financiamento é diferente. Assim, como já assumia no comunicado ontem tornado público, o Benfica vai responder ao projeto de decisão da CMVM que chumba a OPA, a contestar o entendimento.
Só que, sabe a Tribuna Expresso, as águias pretendem ir mais longe e, havendo uma base jurídica distinta sobre o que está em causa, o assunto deverá transitar para o tribunal.
Gabriela Figueiredo Dias, presidente da CMVM
Alberto Frias
Benfica defende-se de fuga de informação
Aliás, dentro do Estádio da Luz já há um posicionamento que mostra a guerra contra o supervisor. O Benfica quer deixar claro que não é ele o culpado pelas fugas de informação sobre a avaliação feita pela OPA. “A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD declina toda e qualquer responsabilidade do Grupo Sport Lisboa e Benfica pela divulgação de informações que alimentaram os referidos rumores e notícias na comunicação social e afirma, com veemência, ser totalmente alheia à divulgação de informação de natureza confidencial de qualquer tipo sobre a oferta à margem dos canais oficiais estabelecidos com a CMVM, o que aliás deplora”, disse ontem no comunicado.
Segundo apurou a Tribuna Expresso, as águias defendem que, poucos minutos depois de saberem que a OPA iria ser chumbada, foram contactadas pela TVI sobre o assunto, a primeira a avançar o chumbo da OPA. Foi a TVI que noticiou o modelo de financiamento e os travões colocados pela CMVM. O Benfica defende que, como só tinha informação sobre esse chumbo há pouco tempo, nunca poderia ser ele a fonte do canal - nem, alegadamente, lhe interessaria, argumenta-se dentro do clube.
OPA também já ia cair
Aliás, dentro do SLB é também objetivo retirar também de cima de si o ónus pela notícia da passada sexta-feira, em que o "Jornal Económico" avançou que a SGPS se preparava para deixar cair a OPA por conta da pandemia de covid-19 e pelos seus efeitos económicos.
Este tema vinha sendo discutido com a CMVM, com a intenção do clube em revogar a oferta, que estava, desde novembro, à espera de aval do regulador.
Ou seja, o Benfica admite ir para tribunal por conta de uma operação da qual ia recuar.
A OPA acabou por cair, mas por outra razão.
Benfica fez operação antes da OPA
O modelo de financiamento da OPA (em que o clube podia gastar até 32 milhões de euros para o reforço na SAD) é o que está na base da decisão da autoridade do mercado de capitais. A CMVM defende que, nos moldes definidos, a SAD iria financiar a SGPS para que esta reforçasse a posição acionista na SAD.
O modelo foi definido por um passo dado no ano passado pelo grupo Benfica: tirar a Benfica Estádio de debaixo da SAD (deixando as suas contas de serem consolidadas na SAD, que as divulga publicamente à CMVM) para a colocar debaixo da SGPS (empresa que, por não estar cotada em bolsa, já não tem essas obrigações). O Benfica defende que esta operação foi apenas para centrar a SAD no futebol profissional, passando os restantes ativos (como a Benfica TV) para a SGPS.

Estádio está no centro da decisão da CMVM sobre OPA do Benfica
Rafael Marchante
Financiamento era tripartido
Só que é usando a Benfica Estádio que a SGPS se financia através da SAD, na ótica da CMVM. A Benfica Estádio tinha de entregar 29 milhões de euros à SGPS há mais de 15 anos e foi agora que a SGPS as pediu.
Para a Benfica Estádio poder pagar à SGPS, passou a receber mais da SAD. O contrato de utilização do estádio pela SAD foi revisto em outubro do ano passado, passando pela antecipação de receitas e por um novo preço das rendas a pagar pela SAD (mais elevado) num montante de 62 milhões de euros. Assim, a Estádio já tinha dinheiro para a devolução à SGPS.
O entendimento da CMVM é que há aqui a utilização (mesmo que por operações distintas) de fundos da SAD para que a SGPS aumente a posição acionista na SAD. Já o entendimento do Benfica é que as operações têm todas fundamento económico e que não tiveram como lógica específica o financiamento da OPA.
Seja como for, este é o financiamento que o regulador quer agora que seja comunicado ao mercado. A CMVM, além de querer esclarecimentos do Benfica sobre a intenção de deixar cair a OPA e sobre a possível utilização de fundos destinados à OPA para a contratação de atletas (hoje o "Record" diz que o clube pôs um travão às contratações), também indiciou que quer que seja, de imediato, prestada informação ao mercado sobre os negócios que permitiram à SGPS ter fundos para a OPA.
O regulador ainda não está satisfeito com os esclarecimentos do Benfica, já que a compra e venda das ações da SAD – determinada ontem à espera da divulgação de informação relevante - continua suspensa por essa razão.
OPA desde sempre com problemas
A OPA de 32 milhões de euros tem, desde que foi anunciada, em novembro, levantado muita polémica e críticas públicas. Aliás, publicamente, o regulador só falou uma vez para dizer que esta operação não tinha comparável com outras ofertas do género, desde logo pelo seu preço e pelos seus destinatários.
O clube, através da SGPS, ofereceu 5 euros por ação, quando os títulos seguiam nos 2,76 euros e nunca tinham tocado naquela cotação – a não ser quando tinham estreado em bolsa, há quase 20 anos.
Além disso, havia questões relativas aos acionistas da SAD que iriam receber dinheiro, nomeadamente com a possibilidade de os atuais dirigentes - que também são acionistas - poderem beneficiar da OPA.
Um dos principais beneficiários seria José António dos Santos, conhecido como rei dos frangos, é que é o principal acionista individual da SAD (após o Benfica) - contudo, o também banqueiro disse que não iria vender depois de ser tornado público pelo Expresso que tinha negócios imobiliários com Luís Filipe Vieira (informação que nunca tinha constado dos documentos oficiais do Benfica, a não ser o último relatório e contas, já após a notícia do Expresso). Aliás, José António dos Santos reforçou o seu peso, ao adquirir a participação de outro dos acionistas que iria benificiar com a OPA, Joaquim Oliveira.
Também o presidente do clube iria ganhar com a oferta quando saísse do cargo, já que a OPA, embora impossibilitasse a venda agora, salvaguardava a venda futura a 5 euros por cada uma das duas ações - o que geraria quase 4 milhões.
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