Se Vieira esperava que contratar Jesus pusesse o benfiquista a dar pulos, a esta hora deve perguntar-se “o que passou-se?”
Bruno Vieira Amaral escreve sobre o tema da semana e conclui o seguinte: ir buscar Jesus agora, ao contrário do que Vieira possa pensar, não é de génio. É uma confissão milionária de impotência
20.07.2020 às 9h23
Tiago Miranda
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Tinha tudo para ser um grande arraial, um festival nesta época sem festivais, com direito a fanfarra e desfile em autocarro aberto pelas ruas da cidade até a apoteose no Estádio da Luz e, no entanto, o regresso de Jorge Jesus sabe a quarta-feira de cinzas. Ou, então, sabe apenas a cinzas, a fim de festa, o slow na discoteca às cinco da manhã quando as luzes se acendem. Não devia ser assim.
E o foguetório? O regresso triunfal do homem que, em dezembro do ano passado, era senhor do mundo (pelo menos do mundo de língua portuguesa)? Nada. Hoje há cinzas e resignação, é o que se arranja. Sobras de um banquete antigo com sabor a renúncia. Renúncia de Jesus. O homem que volta ao lugar onde foi feliz e miserável, ídolo carregado em andor e Belzebu de efígie queimada em praça pública (ou, pelo menos, retirada de um grupo de cartazes sorridentes), desistiu de apontar às estrelas. Convenceu-se, finalmente, de que a oportunidade para treinar um dos grandes da Europa, uma daquelas cinco ou seis equipas que lutam, mas lutam a sério, pela Liga dos Campeões, nunca chegará. E assim volta ao Benfica, com o prestígio técnico reforçado e a firme impressão de que o fim da linha está próximo.
Se Luís Filipe Vieira esperava que a contratação de Jesus pusesse o adepto benfiquista a dar pulos de contentamento, a esta hora deve estar a perguntar-se “o que passou-se?” Uns deixam de pagar quotas, outros declaram publicamente que nunca mais vão ver um jogo do clube, outros não sabem se hão de rir ou chorar com as curvas e contracurvas, os mortais à retaguarda e as guinadas imprevistas do “sólido” projeto de Vieira. Jesus não serve para o projeto, Rui Vitória é para muitos anos, vi uma luz, o Vitória já era, o Lage fica porque o Mourinho não quer, Lage forever, Lage na próxima época dê lá por onde der, enter Jesus.
O problema pode ter sido o timing. Anunciar a contratação de Jesus devia servir de antídoto à azia pela perda do campeonato. Essa deve ter sido a intenção do presidente. Mas o tiro saiu-lhe pela culatra.
A malta está cansada e não é a contratação de um treinador, por brilhante que este seja, que apaga o essencial: ninguém sabe para onde vai o Benfica. Ninguém sabe que Benfica é que Luís Filipe Vieira tem na cabeça. Dizia o poeta que o amor é eterno enquanto dura. No Benfica, os projetos também são eternos enquanto duram, como castelos de areia na praia até vir uma onda ou, às vezes, um murmúrio de água.
A hegemonia interna. O Seixal. A Europa. Não há dinheiro, só prata da casa. Vendem-se as pratas da casa para sustentar o vício da vitória. Depois não há vitórias, só o vício a seco. Vão-se os anéis, os dedos, a mão, primeiro a esquerda, depois a direita. No fim, só resta a lábia. Afinal, já há dinheiro. Volta, Jesus. Cem milhões para reforçar o plantel. Gastar à tripa-forra. Vamos lá que ninguém nos pára. A não ser que o Porto desencante um vítor-pereira da vida para ajoelhar o catedrático. A não ser que o Porto, cujo projeto se chama, há quase quarenta anos, Pinto da Costa, consiga ganhar dois campeonatos em três, mesmo sem dinheiro para mandar cantar um cego, mesmo com jogadores a que ninguém chama coxos só por consideração aos coxos.
Os benfiquistas perderam a esperança. Não a esperança de ganhar – essa está sempre lá e, com a chegada de Jesus, pode até sair reforçada – mas a esperança de que dentro do clube alguém saiba o que anda a fazer. Quando nem um treinador como Jesus devolve a esperança aos adeptos é porque a desilusão vai muito para além do que acontece nas quatro linhas.
Quando Vieira decidiu manter Jesus após o ano do quase, teve o seu momento de génio. Quando Bruno de Carvalho foi buscar Jesus quando ninguém o esperava, teve o seu momento de génio. Ir buscar Jesus agora, ao contrário do que Vieira possa pensar, não é de génio. É uma confissão milionária de impotência.
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