Rúben Amorim sabe muito. Chamem-lhe inteligência emocional ou outra coisa qualquer. Parvo é que ele não é
O Sporting foi à Choupana, saiu de lá com três pontos e uma conta astronómica de lavandaria. Paulinho e os seus subordinados terão de trabalhar horas extra, está visto. O jogo não foi um daqueles espetáculos a que assistimos com binóculos de ópera, antes uma reencenação de batalhas medievais com agricultores, camponeses e servos da gleba dispostos a dar a vida por um alqueire ou meia-dúzia de couves
11.01.2021 às 10h28

Quality Sport Images
Partilhar
O Sporting foi à Choupana, saiu de lá com três pontos e uma conta astronómica de lavandaria. Paulinho e os seus subordinados terão de trabalhar horas extra, está visto. O jogo não foi um daqueles espetáculos a que assistimos com binóculos de ópera, antes uma reencenação de batalhas medievais com agricultores, camponeses e servos da gleba dispostos a dar a vida por um alqueire ou meia-dúzia de couves
Rúben Amorim, que tem o ar bem-comportado do promotor imobiliário, com uma falsa ingenuidade que se aceita por não ser demasiado falsa nem demasiado ingénua, sabe muito. Não tem o aspeto de mânfio da Reboleira doutorado na escola da vida, nem aquela tensão nervosa sempre à beira de explodir que se nota nas veias do pescoço de Sérgio Conceição, mas duvido que algum dos dois principais rivais o coma de cebolada. Quando eles vão, já ele está a vir.
Chamem-lhe inteligência emocional ou outra coisa qualquer. Parvo é que ele não é.
E não sendo parvo espreme o suminho das circunstâncias até à última gota. No final do jogo contra o Nacional falou em telefonemas da Dr.ª Helena da Liga, manobras aeronáuticas, aterragens forçadas, tentativas de condicionamento “como se o Sporting não quisesse jogar”. Imagino que tenha sido também esse o discurso no balneário antes de um jogo em que a principal dificuldade seria mesmo o estado do terreno, as condições um pouco mais do que adversas para a prática do futebol.
Como é que se motivam os jogadores para uma batalha na lama? Simples. “Eles acham que não queremos jogar? Que temos medo? Que somos uns meninos? Então vamos lá mostrar-lhes de que massa somos feitos!” E o Sporting de meninos e crescidos entrou, arregaçou as mangas, pôs o pé, limpou o Nacional e sujou o equipamento. “Estão a ver? Faça chuva ou faça sol. Quantos são? Quantos são? Até os comemos!” Etc. e tal.
Amorim sabe que uma vitória naquelas condições vale mais que três pontos. Ganhar jogos em relvados de golfe com um solzinho bom contra adversários generosos diverte os adeptos. Triunfar nestas batalhas invernais forja o carácter dos campeões, tal como ganhar um jogo com um jogador a menos, quando ninguém dá nada por nós ou o árbitro tem uma noite miserável. Fazer de cada jogo um confronto épico é uma excelente estratégia para manter os discípulos num estado de concentração máxima.
E se eu disse que esta espécie de futebol lamacento não é ópera o adepto pode, ainda assim, desfrutar de outras virtudes exibidas como a capacidade de sofrimento ou a tendência para o heroico que alguns jogadores revelam nestes momentos. Não estou a fazer a apologia sádica do jogar a qualquer custo debaixo de chuvadas bíblicas ou nevões siberianos ou a enfrentar as célebres ventanias vila-condenses, mas quem não aprecia um bocadinho de “condições meteorológicas adversas” para dar ao jogo o sal que naturalmente lhe falta? É aquela lógica do “mas será que fariam o mesmo numa noite fria e chuvosa em Stoke?”
Já falei disso noutras ocasiões, mas aqui vai outra vez. Devemos ao comentador Andy Gray uma das reflexões mais argutas sobre futebol. Isto não é só nota artística e condições ideais e pezinhos de ouro e hinos da Champions. Será que se safam numa noite agreste contra um adversário sem glamour? Será que se safam num estádio vazio com o relvado enlameado numa ilha em alerta vermelho? Na sexta-feira à noite os jogadores do Sporting deram a resposta. Se triunfam ali, podem triunfar em qualquer lado. Por muito que o estilo português suave de Rúben Amorim dê a entender o contrário, o algodão cheio de lama não engana: está ali uma equipa para todas as estações.
Relacionados
- Sporting
A estada do Sporting na Madeira: "Não são as condições ideais, mas foram as que a estrutura conseguiu criar para dar resposta muito boa"
O Sporting vai realizar o segundo jogo consecutivo na Madeira, frente o Marítimo, para a Taça de Portugal, na segunda-feira (21h15, TVI), e Emanuel Ferro garante que a equipa está pronta para ganhar a prova
- Futebol nacional
Taça de Portugal: em dez jogos contra o Marítimo, o Sporting só perdeu um
Sporting e Marítimo dão hoje o ‘pontapé de saída’ nos oitavos de final da Taça de Portugal de futebol, na Madeira, onde há poucos dias os ‘leões’ alcançaram mais uma vitória na I Liga, face ao Nacional
- Sporting
A chafurdar na lama também se ganha
O temporal não abandonou a Madeira, mas houve jogo na Choupana, não de futebol, de outra coisa qualquer parecida, ao qual os jogadores do Sporting se souberam adaptar e atuar em concordância num campo virado lamaçal. Ganharam (0-2) ao Nacional com muitos chutões diretos para a frente, duelos ganhos, disputas com raça e bolas paradas batidas de onde fosse para a área. Na prática, era a única forma possível
- Sporting
Amorim: “Fomos recebendo várias chamadas da Liga a dizer que tínhamos de ir para o Funchal. Como se fôssemos nós os pilotos do avião”
O treinador do Sporting diz que o clube e a equipa se sentiram pressionados pela Liga a jogar na quinta-feira