Começou a avaliar e a dar notas a ondas surfadas por outros em 2002 e, oito anos depois, estreou-se em provas da World Surf League, em Peniche. Nuno Trigo foi um dos quatro juízes da entidade escolhidos para os Jogos Olímpicos de Tóquio e, à Tribuna Expresso, contou como é estar 150 dias por ano a viajar pelo mundo, a ajuizar os melhores surfistas nas melhores ondas - entre as quais, a de Jeffreys Bay, na África do Sul, e Cloudbreak, em Fiji, as suas preferidas -, e, às vezes, a partilhar essas ondas com eles. Embora, em competição, faça sempre por garantir as distâncias: "Não só para manter a credibilidade, mas para não mostrar preferências, porque elas não existem"
Quando a Liga Meo Surf arrancou, no fim de junho, deu a primeira prova de surf ao mundo pós-confinamento, na Figueira da Foz, onde Filipe Jervis chegou à primeira final nacional da carreira. Tem 29 anos, já deixou de fazer vida do surf de competição há muito e hoje tem-no como um hóbi, mas, quando soube que ia competir no heat decisivo, sentou-se no carro e começou a chorar. "Foi uma descompressão muito grande", confessa, em entrevista à Tribuna Expresso. Jervis olha para miúdos e faz-lhe "um bocado de confusão" que já pensem em competir: "não há nada pior do que teres 13 anos, não teres nível, mas seres 'obrigado' a entrar numa prova, porque os teus pais querem, e vais levar na pá constantemente". Começa, esta sexta-feira, a terceira etapa do circuito nacional, na Praia Grande
A World Surf League decidiu cancelar, de uma vez, esta época e, ao mesmo tempo, baralhar tudo e voltar a dar, anunciando novidades para a próxima, que começará já em novembro e terminará em agosto de 2021, com um novo formato. Portugal passará a ser a segunda paragem do circuito mundial de surf, entre 18 e 28 de fevereiro, mas há até a hipótese de ser a primeira, porque o estado do Havai ainda tem de autorizar que haja competição por lá. Francisco Spínola, diretor da WSL para a Europa, África e Médio Oriente, explica o que vai mudar, em entrevista à Tribuna Expresso, e garante que faz todo o sentido aproveitar as ondulações de inverno que chegam à costa portuguesa: "A nossa época de surf é gigantesca e é isso que vamos provar"
Ao contrário do que aconteceu no surf, o Estado não atribuiu a nenhum atleta de bodyboard o estatuto de Alto Rendimento. Logo, foram quase dois meses fora do mar para todos, ou exatamente 58 dias para Joana Schenker, a hexacampeã nacional que vive em Sagres e admite que, no início do estado de emergência, ainda viu bastantes pessoas "a desrespeitarem" as ordens. Mas, no regresso ao mar, Joana Schenker não se deparou com muita gente e acha que o bom-senso está a cumprir o seu papel
É presidente da Federação Portuguesa de Surf desde 2013, mas, antes, trabalhou vários anos e esteve em missões com a Médicos do Mundo. Lidou com cenários de guerra no Sri Lanka e, também, de epidemia, sobretudo na Guiné-Bissau. "Víamos pessoas nos corredores dos hospitais e sabíamos que iam morrer, não tínhamos maneira de fazer alguma coisa", conta João Aranha, numa entrevista à Tribuna Expresso sobre as experiências em situações extremas, na qual condena, também, quem insiste em ir surfar durante o estado de emergência
A 11 de fevereiro, o surfista português foi projetado por uma onda na Praia do Norte, durante o Nazaré Tow In Challenge, embateu na mota de água, perdeu os sentidos e ficou sem respirar durante 10 minutos. Apenas sairia do hospital 15 dias depois. As memórias de Alex Botelho do acidente acendem e apagam, mas lembra-se de sentir que estava prestes a ficar inconsciente no mar e de acordar, já na areia, abrir os olhos e pensar: "Ok, estou vivo". E conta à Tribuna Expresso que sente "gratidão" com o mar e vontade de voltar, porque "também foi o mar que [o] salvou e levou para terra"
Tem 56 anos, foi nove vezes campeão do mundo de bodyboard e, no início de março, ganhou o Pipeline Classic de bodysurf pela 16.ª vez. Mike Stewart é quase um só com o mar, mas diz que, se a pandemia da Covid-19 o ditar, no Havai, será capaz de ficar longe do oceano "durante meses", usando o poder da mente e da imaginação, como já o fez. Em entrevista à Tribuna Expresso, o americano diz não concordar com o encerramento das praias porque "o oceano é um bom escape para as pessoas desde que não se juntem e mantenham as distâncias". E considera o isolamento social como uma oportunidade para "nos focarmos na família e no que é realmente importante, até em nós mesmos"
Acordou com visão dupla, foi ao hospital, disseram-lhe que era stress, mas a segunda opinião que o mandou fazer exames fê-lo entrar, um dia, num consultório em Coimbra onde uma médica a quem "faltou sensibilidade" lhe disse logo que tinha Esclerose Múltipla. A primeira coisa que Miguel Rocha perguntou foi se podia continuar a surfar. Continuou, sagrou-se campeão nacional três vezes (2016, 2017 e 2018), não parou de praticar desporto e só “uma mulher, uma vez”, lhe escreveu no Facebook que o “queria ver daqui a cinco anos”. Já passaram quatro e Miguel, aos 36 anos, tem dois trabalhos, tenta surfar todos os dias e até joga à bola com os amigos
Podia estar de férias, no Brasil, mas quis passar quase duas semanas a surfar entre Ericeira e Peniche, porque acha que "ainda sente um pouco de dificuldade" em tubos. Até foi à Nazaré, para "sentir adrenalina no corpo". Ítalo Ferreira, o campeão mundial de surf, também veio a Portugal para procurar casa e, antes de ir embora, parou na fábrica das pranchas Polen, onde falou com a Tribuna Expresso e o podcast "A Minha Vida Dava um Tubo" sobre os porquês de nunca parar de treinar, o que fez para ganhar o título e a vontade de ser campeão olímpico
Já foi sete vezes campeã do mundo, mais um título dar-lhe-á o recorde, mas, aos 31 anos, Stephanie Gilmore sente que “apenas está a começar”. A surfista australiana perdeu a final da última vez que o circuito feminino parou em Peniche, em 2010, e até acha “engraçadas” as derrotas, porque lhe dão hipótese de aprender o que fez mal
Nunca foi campeão do mundo, mas Taj Burrow acabou várias vezes em segundo lugar do tour, ganhou 13 eventos e, ao fim de quase 20 anos, fartou-se de viajar e de estar no meio do ambiente "intenso". Diz que se dá melhor hoje com os amigos que tem do circuito mundial, porque "já não há tretas e a amizade é mais genuína", está mais relaxado e, "basicamente, faz o que lhe mandam". O australiano, esteve no Ericeira Billabong Pro a comentar alguns heats, ainda é o único surfista a ter "a decisão louca" de escolher não entrar no circuito mundial apesar de se ter qualificado
Uri Valadão foi o primeiro e, até agora, único brasileiro a vencer o título mundial de bodyboard depois de Guilherme Tâmega, o seis vezes campeão com quem nunca se importou de ser comparado. "Gostava, porque achava um elogio, sempre foi o meu ídolo", diz quem, aos 34 anos e 10 volvidos desde que foi o melhor do mundo, sente "a obsessão a voltar". Uri nasceu, literalmente, dentro de água, vendeu os prémios que ganhava em miúdo para ter dinheiro para viajar, admite que relaxou quando venceu o título e acha que talvez falte "um milionário que invista" no bodyboard
Jason Stevenson nunca quis ser o centro da atenções: não inclui o nome nas pranchas que fabrica, apenas as iniciais, mais um símbolo de um trator, em memória do pai, que trabalhava nas minas de sal em North Stradbroke, na Austrália. Ele é um dos líderes da indústria, é quem faz as pranchas para Frederico Morais e esteve em Portugal para lhe desenhar mais algumas, na Ericeira. Diz que o português é dos surfistas mais fáceis com quem trabalhar e, por oposição, recorda como Andy Irons achava, sempre, que "as pranchas de toda a gente eram melhores do que as dele"
Isabela deixou o Brasil quando sentiu que as pessoas estavam “violentas umas com as outras”, clima no qual foi eleito “um personagem como Bolsonaro”. Escolheu mudar-se para Portugal pelas ondas, comida e "gente boa" quando já era quatro vezes campeã do mundo de bodyboard. No Brasil "cobram-lhe muito" para que ganhe um quinto título e iguale o recorde de Neymara Carvalho, por cá - onde há cinco mulheres no top-25 do ranking mundial - ficou "amiga das meninas todas", faz parte do Estoril Praia e "dá o máximo" para que "não haja áurea de superioridade" pelo que já ganhou
Todos os irmãos são 'doutores', ele ainda tentou sê-lo, mas as pranchas de surf não deixaram. João Cabianca tem 55 anos, é shaper há mais de 30 e faz as pranchas que Gabriel Medina tem debaixo dos pés há uma década. Pagou do próprio bolso as primeiras que desenhou para o brasileiro, por ser amigo do padrasto, quando ele ainda era "um puto chato", antes de virar o " The Freak Kid" que explodiu num evento em França, aos 15 anos. Diz que os shapers mais jovens "dependem muito das máquinas"
Tinha 14 anos e quando mexeu na primeira prancha de surf, que lhe custou 10 dólares. Depois, na década de 60, foi dos primeiros shapers a fazer shortboards, numa época em que o surf ainda tinha toda a gente a colocar-se de pé em cima de longboards. Já esteve falido duas vezes nesta vida de fazer pranchas e foi “um hippie da contracultura”, que experimentou marijuana e ácidos, antes de as Testemunhas de Jeová lhe baterem à porta e darem a explicação para “o mundo estar uma bagunça”. Aos 74 anos, Bob McTavish não quer parar e gosta de fazer pranchas para “o surf bonito, que mostra o melhor das pessoas”
Faltou à própria cerimónia de graduation do liceu, algo que desaconselha a fazerem, para ir à primeira competição em que participou deitado numa prancha. Garante que está em melhor forma hoje, aos 55 anos, do que nessa altura. Chamam a Mike Stewart, nove vezes campeão do mundo, o padrinho do bodyboard, que teve “a sorte” de muito cedo ter começado a trabalhar com Tom Morey, o pai da modalidade, que se levantou da cadeira durante o seu casamento. Há Kelly Slater no surf e há Mike Stewart no bodyboard, a lenda viva que esteve em Viana do Castelo, na etapa do circuito mundial, e explicou à Tribuna Expresso como a animosidade entre as duas modalidades apareceu quando "a perceção de ser cool" começou a ser associada ao surf
João Kopke ouve amigos e outros surfistas dizerem-lhe que está a desperdiçar talento e que deveria usá-lo no circuito mundial de qualificação para tentar competir entre os melhores. Mas ele não é o típico surfista: antes foi campeão na ginástica acrobática e hoje também é músico, especializado no canto lírico e no contrabaixo, como instrumento. Aos 23 anos, João é mais o surfista menos surfista que tem hipótese de ser campeão nacional quase "sem querer", porque, "se for apenas competição, o surf "não [lhe] dá tudo o que tem de dar" e que ele recebe viajando, contando histórias, estudando e gravando vídeos ( Esta é a primeira entrevista da nova rubrica "H2O", em que a Tribuna Expresso falará com quem vive dos desportos de ondas.)