O silêncio de quem não quer ser negro
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01.06.2020

Da Alemanha para os EUA: Marcus Thuram, jogador de 22 anos do Borussia Mönchengladbach (e filho do internacional francês Lilian Thuram) ajoelhou-se em protesto depois de marcar um golo frente ao Union Berlin
Christian Verheyen
Pespineta. Já tinha ouvido o termo, aqui e ali, aos anos, sem saber precisar onde, até o ter compreendido finalmente num texto da Fernanda Câncio. A forma correta é, afinal, pispirreta, mas isso não muda o teor da palavra, que só se aplica, ao que parece, no feminino: rapariga empinada, insolente, atrevida.
É fácil perceber por que razão este tipo de impertinência só se aplica ao sexo feminino: as raparigas sempre foram educadas, geralmente, para serem polidas, dóceis, até submissas; os rapazes, pelo contrário, atrevidos, corajosos, fortes. No fundo, cada um(a) no seu lugar, aceitando os seus respetivos papéis, ninguém se chateia e assim gira a Terra à volta do Sol.
Mesmo no século XXI, o mais fácil é, sempre, ficar calada(o), sob pena de nos prejudicarmos perante quem nos ouve: os amigos, a família, os colegas, os leitores, os fãs, enfim, o mundo.
Não tenho por hábito, perante situações que considero injustas, ficar em silêncio. Posso até indicar a mais recente dessas situações como o teto salarial imposto pela Federação Portuguesa de Futebol (€550 mil por época, por plantel) no campeonato feminino de futebol, uma prova amadora que nem salário mínimo tem, precisamente por não ser profissional. Não antevejo que haja muita gente a importar-se com este assunto, mas eu importo-me, porque considero-o a perpetuação da menorização da mulher no desporto, mascarada de incentivo à competitividade.
Esta opinião não me trará amigos em lugares influentes, bem pelo contrário, tendo também eles a legitimidade para pensar exatamente o contrário do que eu, mas considero que o meu umbigo não vale mais do que todos os outros umbigos que eu sinto como meus, de jogadoras, de mulheres, de quem gosta de futebol e desporto feminino.
E este longo intróito, em jeito de parco exemplo, traz-me, claro está, a George Floyd e ao racismo. Houve gente, de facto, que nunca ficou em silêncio, como Colin Kaepernick, mas há agora quem fale sem nunca antes se ter comprometido, como Michael Jordan, e quem já peça por mais solidariedade, como Lewis Hamilton: "Ninguém mexe um simples dedo no meu setor, que é verdadeiramente um desporto dominado por brancos."
Este fim de semana, na Bundesliga, os futebolistas Marcus Thuram, Jadon Sancho e Weston McKennie pediram todos "justiça" para George Floyd, ao mesmo tempo que se manifestavam contra o racismo. Os basquetebolistas LeBron James e Stephen Curry fizeram o mesmo. E isto é importante porque o desporto é um importante veículo de sensibilização social. E os desportistas não são bonecos de plástico sem opinião que só servem para rematar ou lançar bolas.
Em Portugal, comprovámos isso, recentemente, quando Ricardo Quaresma decidiu - muitíssimo bem - defender a comunidade cigana contra o racismo de alguns. De resto, ou eu procurei nos sítios errados ou apenas há... silêncio. E não vale a pena pensar, aqui, que George Floyd é "um problema lá dos americanos". Sim, o racismo é um problema estrutural nos EUA. Mas ainda nos lembramos do que aconteceu, em Portugal, a Moussa Marega? E a Cláudia Simões? É um problema "deles"? "Eles" quem? Os "negros"? Utilizando uma pergunta simples, feita pela ativista norte-americana Jane Eliott: "Aceitaria, enquanto cidadão branco, trocar de lugar com um negro e ser tratado pela sociedade como um cidadão negro?"
Não podemos continuar em silêncio. #BlackLivesMatter
O que se passou
Michael Jordan pareceu ter esquecido a célebre frase "os republicanos também compram ténis" e finalmente emitiu uma opinião que o vincula a alguma coisa; Gasperini foi a jogo com a Atalanta aparentemente já infetado com covid-19; o Shakhtar Donetsk de Luís Castro e companhia derrotou o Dínamo de Kiev, por 3-1, e já tem uma mão no título ucraniano; a Liga lamentou a posição do Marítimo na questão das cinco substituições e, por consequência, a sua própria ineficácia; e Pinto da Costa endossou Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, como seu sucessor no FC Porto.
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Zona mista
"Iremos estar no estádio e no caminho do hotel até Famalicão. Pelo caminho teremos bandeiras e tarjas de apoio à equipa. No estádio, iremos receber a equipa e ficaremos cá fora a apoiar para que seja percetível a nossa presença."
- Fernando Madureira, líder da claque portista Super Dragões, em declarações ao "Record", revelando uma intenção que vai claramente contra o que foi pedido pelas autoridades
O que aí vem
Segunda-feira, 1
Continua o campeonato que tem sido a nossa salvação nestas últimas semanas de privação: a Bundesliga. Às 19h30, há Colónia-RB Leipzig, na Eleven.
Terça-feira, 2
Aposto que o estimado leitor nunca viu um jogo da Liga israelita, mas há lá portugueses - Miguel Vítor, Josué, David Simão, Verdasca - e é por isso que o Canal 11 vai transmitir, às 18h45, o Hapoel Tel Aviv-Beitar Jerusalem.
Quarta-feira, 3
Finalmente, depois de umas quantas cambalhotas, à boa maneira portuguesa, que nem permitem, por exemplo, que haja cinco substituições, lá recomeça a I Liga. Para ver na SportTV, em canal fechado, claro está, que isto de termos a BBC a transmitir jogos da Premier League em canal aberto é claramente porque os ingleses não pescam nada disto. Ora temos então, às 19h, Portimonense-Gil Vicente (e secretamente espero que o tratador da relva de Portimão faça mais um daqueles bonitos desenhos para nos animar, quiçá um arco-íris) e, às 21h15, Famalicão-FC Porto.
Às 19h30, na Eleven, há Bundesliga: Bremen-Eintracht Frankfurt.
Quinta-feira, 4
Prossegue a 25ª jornada da I Liga: às 19h, Marítimo-V. Setúbal (SportTV); às 19h15, Benfica-Tondela (BTV); às 21h15, V. Guimarães-Sporting (SportTV).
Sexta-feira, 5
A Cidade do Futebol estreia-se como anfitriã de jogos da I Liga, com o Santa Clara-Sporting de Braga, às 19h. Às 21h15, há Aves-Belenenses SAD. Às 19h30, na Eleven, há novamente Bundesliga, entre Freiburg e Borussia Mönchengladbach.
Sábado, 6
Prossegue a 30ª jornada da Bundesliga, com a Eleven a transmitir quatro jogos às 14h30: RB Leipzig-Paderborn, Frankfurt-Mainz, Fortuna-Hoffenheim e Bayer Leverkusen-Bayern Munique. Às 17h30, há Dortmund-Hertha. Na I Liga, às 21h15, há Boavista-Moreirense, na SportTV.
Começam as eleições no FC Porto, que decorrem sábado e domingo, no pavilhão Dragon Force, e contam com quatro listas: a A, de Pinto da Costa; a B, de Nuno Lobo; a C, de José Fernando Rio; e a D, que concorre apenas para o Conselho Superior e é dirigida por Miguel Brás da Cunha.
Domingo, 7
Finalmente termina a 25ª jornada da Liga, com o Rio Ave-Paços de Ferreira, às 21h. Às 12h30 e às 14h30, há mais Bundesliga: Bremen-Wolfsburg e Union Berlin-Schalke 04, respetivamente. Às 19h30, no 11, há Liga grega: AEK-Panathinaikos.
Hoje deu-nos para isto

Thearon W. Henderson
Primeiro, deixou-se ficar sentado. Depois, começou a ajoelhar-se. Em 2016, Colin Kaepernick, então quarterback dos San Francisco 49ers, decidiu, ao contrário do que era habitual, não se levantar para ouvir o hino americano, um gesto que foi entretanto repetido por vários outros atletas de outras modalidades. O objetivo era simples: chamar a atenção para o racismo gritante nos EUA. "Não me vou levantar para mostrar orgulho numa bandeira de um país que continua a oprimir os negros. Para mim, isto é maior do que o futebol americano e seria egoísta da minha parte vê-lo de outra forma", disse então Kaepernick.
No final da época, ficou sem equipa. Até hoje. É o que acontece a quem não fica em silêncio?
Ele não se levantou e conseguiu o que queria: perturbou a América. Porque a América o perturba
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E não seja racista. Nem sexista.