Ser beijado pelo desporto
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02.11.2020

Andy Irons, um dos melhores surfistas que já existiu, morreu há 10 anos
Kirstin Scholtz/Getty
Não terá sido na areia, à vista de todos, imagino que se tenham cruzado algures dentro da estrutura erguida na praia, era o segundo ano (2010) dos alicerces montados em Peniche e plantados na praia de Supertubos, por fim Portugal anfitriava uma paragem da volta ao mundo em surf e se houve êxodo feito por milhares para verem as ondas do oeste foi porque lá estava quem, neste planeta, melhor uso lhes podia dar. Andy foi ter com Kelly e disse-lhe o quão orgulhoso estava por ele estar "quase a garantir o título", confessou até estar "maluco" com a proeza, brincaram que estender a indecisão até Portugal aconteceu por a versão tubular do congratulador ter vencido o hegemónico congratulado no Taiti, nesse ano.
Abraçaram-se, chocaram palmas das mãos e foi a última vez que se viram. No mês seguinte, Andy Irons estava morto num quarto de hotel em terra firme, sozinho e longe do mar onde, no mesmo dia em que Kelly Slater não o viu em Puerto Rico, alguém lhe dissera que estava doente, tentou e tentou ligar-lhe, tocava o telemóvel mas ninguém atendia, enviou mensagens deixadas sem resposta antes de ir para a água, onde garantiu o décimo título mundial. Nem meia hora depois, soube-se que o havaiano de infância passada a idolatrá-lo e a ver cassetes de vídeo dele para lhe copiar tinha morrido. Andy Irons morreu faz hoje uma década.
Era um gaiato de seis anos, imagino um daqueles putos loiros e pequenotes sempre de pé descalço na areia, o pêlo queimado pelos ultravioleta como o imaginário do Havai exige, quando recebeu uma prancha de surf no Natal. O pai mudara-se há pouco tempo para uma casa cujo quintal era a praia e ele começou a surfar, no mar fugia dos problemas, em terra ficava a incapacidade em concentrar-se nas aulas, em estudar ou em estar quieto com a quietude que afasta as crianças dos disparates, não se sabia se o puto disparatava pela hiperatividade ou se era o intelecto a miná-lo nos estudos, mas no mar curava-se e no surf encontrou um escape e lá foi ele.
É um dos resumos possíveis de como o surf apanhou Andy Irons e, em troca, o havaiano mudaria o surf para sempre quando adulto se tornou e graúdo de ondas ficou, ganhando três títulos mundiais seguidos em 2002, 2003 e 2003, tríplice conquista que não mais se viu. E quando aconteceu levou as pessoas a esfregarem a vista porque antes de Andy havia Kelly Slater, o careca carismático, incrível e usurpador de sonhos alheios, a autoritária calvície que tudo ganhava e parecia ser o crónico vencedor de qualquer prova vindoura. Kelly era seis vezes campeão do mundo quando Andy Irons apareceu para devolver à terra quem lendário já era no mar.
Entre ambos cresceu uma rivalidade que o surf nunca tivera, dois génios deslizantes em mandíbulas de água que fizeram fãs serem adeptos e entusiastas polarizados, havia que escolher um lado pois o intocável Kelly parecia não ser capaz de tocar em Andy, um campeão dos campeões juntou-se aos comuns derrotados e acreditou-se que viria aí uma nova lenda do surf da magnitude de Slater.
Só que, antes e depois de engatilhados os três títulos, Andy Irons era um humano falível, ou falível como todos os humanos são, falindo-se em coisas que jamais humanizaram o rival: Andy era um bipolar diagnosticado e o seu feitio oscilava sem aviso; era um viciado em opióides e uma pessoa depressiva; um competidor de 20 etapas ganhas no circuito mundial e várias sob a influência de drogas; e alguém cujo coração o travou a fundo durante oito minutos porque, a bordo de um barco e na festa do seu 21.º aniversário, snifou uma linha de morfina pensando que era cocaína e a substância interrompeu-lhe a pulsação.
Mas a vida de Andy Irons continuou porque tinha o surf e o desporto para carregar no botão de pausa.

Getty Images
Estava longe do mar e perto do aeroporto de Dallas, no Texas, quando morreu, sozinho na cama de hotel onde se deitou o corpo de barriga para o teto, tapou-se com o lençol e cobriu até à cabeça, tê-lo-ão encontrado estando ele como se estivesse a dormir, sereno e descansado, quando o que mais se ouviu desde então foram relatos próximos de uma vida vivida inquietamente e com punhos cerrados, sempre levantados para se esmurrar a ele próprio. O sublime que Andy Irons era com os pés descalços na prancha contrastava com o turbilhão mental que lhe centrifugou a existência e a limitou a 32 voltas ao sol, mas sem desporto talvez a vida o tivesse dado mais voltas.
Porque era ele criança e os pais divorciaram-se, a escola fazia-o sentir-se burro, os professores cercavam-no com castigos e as bulhas com o irmão castigavam-no em casa, mas a prancha desembrulhada naquele Natal dirigiu-o para o mar, de onde "voltava sempre a sentir-me melhor, independentemente do que se estava a passar", confessou, em excertos mostrados no documentário "Kissed By God" que lhe narrou a existência e a decadência progressiva, mas também mostrou que ser beijado pelo desporto pode ser a bóia de salvação quando se anda, ou não, à deriva na vida.
Não que tenha de ser surf, pode ser natação, futebol, ginástica, dança, basquetebol ou o que faça o corpo mexer, o ritmo cardíaco acelerar e o oxigénio ter de ser bombeado como tão benéfico é, comprovadamente, para a saúde física e mental. Quem entende os porquês recomenda a qualquer criança que "pratique diariamente, pelo menos, 60 minutos de atividade física de intensidade moderada a vigorosa" e um inquérito publicado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência diz que 60% das crianças do 1.º ciclo em Portugal fizeram menos de duas horas de exercício por semana durante o ano letivo (2016/17) visado.
Pelos resultados do estudo, as crianças em Portugal não praticavam tanto desporto de forma espontânea ou organizada como deviam - fosse andar de bicicleta e ir para a rua correr, ou jogar uma qualquer modalidade em contexto de clube - quando era inimaginável que um bicho microscópico lhes trancasse a energia em casa, tivessem ou não tempo (26%), dinheiro (21%), anuência dos pais (21%), residência próxima do local da prática (13%) ou o simples jeito (9%) para se irem exercitar. Estes foram os motivos então apontados pelas crianças para não fazerem desporto e escritos no estudo no qual nem uma palavra se descortina sobre o lado mental de tudo isto.
Porque puxar pelo corpo a fazer o que seja não é apenas uma questão de músculos, pulmões, mobilidade ou benefícios cardiorrespiratórios, existe uma cabeça puxadora de tudo e se mundanidade havia em Andy Irons era na constatação óbvia que também ele fazia: "é quase como terapia". O surf não o salvou, mas o desporto manteve-o à tona. E se hoje a pandemia é difícil para o tico e o teco que têm morada nas nossas cabeças também é pela falta de exercício físico que tanto serve para as evacuar, por momentos, de tudo que nos esteja a maçar. Mais ainda para as crianças, que já há quem diga que "só exercitam os polegares".
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Zona mista
Cheguei à conclusão que tens 16-18 rapazes absolutamente comprometidos. Há quatro ou cinco que não têm esse entusiasmo. Treinam, mas deixam-se levar e se as coisas correrem bem, acrescentam, se não, ficam-se por ali. Depois, tens um ou dois que são complicados e retorcidos. Tive-os como companheiros e enquanto treinador.
Quique Setién, antigo treinador do Barcelona que ficará sempre marcado pelo desastroso 2-8 que jamais será esquecido, em entrevista publicada pelo "El País", na qual não foi entrevistado, mas sim conversou com o lendário Vicente Del Bosque, homem de Europeu, Mundial e Liga dos Campeões conquistados que o questionou sobre os oito meses passados na Catalunha e muito mais.
Segunda-feira, 2
⚽ A ressaca de ter Liga Europa a meio da semana dá nisto de ter dois jogos ao fim do dia para arrancar a semana: há o Sporting de Braga-Famalicão (18h45, Sport TV2) e o Boavista-Benfica (21h, Sport TV1). Se por acaso quiser desenjoar um pouco de futebol falado em português, pode espreitar o Leeds United-Leicester City, da Premier League, que arranca (20h, Sport TV3) entre as duas partidas.
Terça-feira, 3
⚽ The Chaaaampions!, ou o célebre final de canção que treme joelhos e abala corações está de volta para mais uma semana:
Shakhtar Donetsk-Borussia Mönchengladbach (17h55, E3)
Lokomotiv de Moscovo-Atlético de Madrid (17h55, E2)
FC PORTO-Marselha (20h, TVI)
Manchester City-Olympiacos (20h, E2)
Midtjylland-Ajax (20h, E6)
Atalanta-Liverpool (20h, E4)
Red Bull Salzburgo-Bayern de Munique (20h, E3)
Quarta-feira, 4
⚽ Mais versões da melodia da Liga dos Campeões se continuarão a ouvir pela Europa fora:
Basaksehir-Manchester United (17h,55 Eleven Sports)
Zenit S. Petersburgo-Lazio (17h55, Eleven Sports)
Ferencvários-Juventus (20h, E1)
Barcelona-Dínamo de Kiev (20h, E2)
RB Leipzig-PSG (20h, Eleven Sports)
Clube Brugge-Borussia Dortmund (20h, Eleven Sports)
Sevilha-Krasnodar (20h, Eleven Sports)
Chelsea-Rennes (20h, Eleven Sports)
Quinta-feira, 5
⚽ Caberia aqui bem outra referência a sonoridades conhecidas, mas, lá está, a Liga Europa não é como a sua vizinha de cima e o hino que a UEFA inventou para a competição não cola no ouvidos:
BENFICA-Glasgow Rangers (17h55, SIC)
Ludogorets-Tottenham (17h55, Sport TV2)
Lech Poznan-Standard de Liège (17h55, Sport TV5)
AS Roma-Cluj (17h55, Sport TV3)
Leicester City-SPORTING DE BRAGA (20h, Sport TV1)
Celtic-Sparta de Praga (20h, Sport TV5)
AC Milan-Lille (20h, Sport TV5)
Arsenal-Molde (20h, Sport TV2)
Sexta-feira, 6
⚽ Os diferentes campeonatos de futebol também farão o que a Liga de Clubes faz por cá e colocam a dar uma música quando as equipas entram em campo, pedir que alguém tenha, sequer, uma ideia que canções são essas é fazer batota descarada:
Liga NOS
B-SAD-Rio Ave (20h30, Sport TV1)
Premier League
Southampton-Newcastle (20h, Sport TV2)
Bundesliga
Werder Bremen-Colónia (19h30, E2)
Série A
Sassuolo-Udinese (19h45, Sport TV3)
Sábado, 7
⚽ Segue jogo, que é como quem diz, mais uma jornada de futebol:
Liga NOS
Tondela-Santa Clara (15h30, Sport TV4)
Moreirense-Paços de Ferreira (15h30, Sport TV1)
Famalicão-Marítimo (18h, Sport TV1)
V. Guimarães-Sporting (20h30, Sport TV1)
Premier League
Everton-Manchester United (12h30, Sport TV+)
West Bromwich-Tottenham (15h, Sport TV2)
La Liga
Huesca-Eibar (13h, E1)
Sevilha-Osasuna (17h30, E2)
Atlético de Madrid-Cádiz (20h, E1)
Espanyol-Lugo (20h, E4)
Bundesliga
Mainz-Schalke 04 (14h30, E6)
Augsburgo-Hertha de Berlim (14h30, E5)
Estugarda-Eintrach Frankfurt (14h30, E3)
RB Leipzig-Friburgo (14h30, E2)
Série A
Cagliari-Sampdoria (14h, Sport TV3)
Parma-Fiorentina (19h45, Sport TV3)
Domingo, 8
🏍️ O circuito Ricardo Tormo, em Valência, recebe o Grande Prémio da Europa em Moto GP (13h, Sport TV1).
⚽ Mais bola a rolar um pouco por todo o lado:
Liga NOS
Farense-Boavista (15h, Sport TV5)
Nacional-Gil Vicente (15h, Sport TV1)
FC Porto-Portimonense (17h30, Sport TV1)
Benfica-Sporting de Braga (20h, BTV)
Premier League
Leicester City-Wolverhampton (14h, Sport TV2)
Manchester City-Liverpool (16h30, Sport TV2)
La Liga
Getafe-Villarreal (13, E1)
Real Sociedad-Granada (15h15, E1)
Valência-Real Madrid (20h, E1)
Bundesliga
Wolfsburgo-Hoffenheim (14h30, E2)
Bayer Leverkusen-Borussia Mönchengladbach (17h, E2)
Série A
Lazio-Juventus (11h30, Sport TV+)
Atalanta-Inter (14h, Sport TV3)
Bolonha-Nápoles (17h, Sport TV3)
AC Milan-Hellas Verona (19h45, Sport TV3)
Hoje deu-nos para isto

Uma das primeiras fotos tiradas ao Estádio da Luz, em 2003, pouco depois da sua inauguração
Mike Hewitt/Getty
Não era como a Luz antiga, não tinha a enormidade de assentos disponíveis, nem a aura de catedral que lhe ficou como alcunha, mas neste dia, há 17 anos, era inaugurado o novo Estádio da Luz com um primeiro golo de Simão Sabrosa e um resultado para o Benfica esquecer: perdeu 1-2 com o Beira-Mar.
A efeméride assinala-se apenas um dia após a morte de Mário Dias, antigo vice-presidente do Benfica que Luís Filipe Vieira recordou como o "grande impulsionador da construção" do novo recinto. Era tido como o pai do Estádio da Luz, morreu vítima de doença prolongada e, há pouco tempo, defendera a ampliação da capacidade do estádio.
Que tenha uma boa e tranquila semana e, se lhe apetecer, vá acompanhando a Tribuna no site, no semanário Expresso e no Twitter, no Facebook e no Instagram: @TribunaExpresso.