Portugal 3-0 Alemanha, Euro’2000. Entschuldigung, por acaso sabes quem é o Capucho? (por Pedro Candeias)
O último jogo da fase de grupos do Grupo da Morte do Campeonato da Europa foi um massacre emocional: Portugal apresentou a equipa B e a equipa C, trocou de guarda-redes e ganhou 3-0 à Alemanha numa exibição épica. E o autor do texto estava lá, na bancada, como adepto. A rubrica "O Meu Jogo" convida o cronista, jornalista, ex-jogador, seja o que for, a relembrar-se dos eventos desportivos que mais o marcaram, como adepto ou interveniente
17.04.2020 às 10h46

O lendário Matthäus parece não acreditar no onze português: não há Figo, Rui Costa nem João Vieira Pinto
Ben Radford
Partilhar
Decidimos poupar uns trocos e ganhar outros. Alguns de nós distribuíram publicidade porta a porta, janela de carro a janela de carro, em Carnaxide e no Rato e sítios que a memória não reteve; outros não sei bem o que fizeram para fazer mais algum.
Eu fui um dos panfletários e também um dos poupados, e ainda juntei um prémio de um concurso local de piano para um dia poder olhar para trás e dizer que fui ao Euro’2000 às minhas custas. Só que esta emancipação orgulhosa de pré-assalariado foi travada no Portugal 2-0 Turquia: aquele em que o Baía defendeu inesperadamente um penálti e o Figo (não) fez uma falta sobre o Alpay para o golo do Nuno Gomes; o jogo que nos levou para as meias-finais de uma fase final.
Ora, isto implicou comprar mais um bilhete para o jogo, mais bilhetes de comboio de ida e volta da Holanda para a Bélgica, e mais comes e mais bebes – e um telefonema para casa.
Mas isto não é sobre o França - Portugal, em que estávamos – eu, o Roseiro, o Bernardo, o Lima e o André – exatamente atrás da baliza do Baía quando o Abel Xavier entrou desgraçadamente para a história do futebol português. Também não é sobre o Inglaterra 2-3 Portugal, porque havia exames de Faculdade em Lisboa para prestar, nem sobre o Roménia 0-1 Portugal, em que amaldiçoámos e a seguir santificámos o Humberto Coelho pelo seu movimento de xadrezista da Escola Soviética. Para quem não se lembra, a minutos do fim, o Humberto lançou o engodo e nós e os romenos caímos na trapaça: trocou um médio ofensivo (Rui Costa) por um trinco (Costinha) e ganhou o jogo com um golo deste.
Um golpe de génio.
O “O Meu Jogo” é, então, o que sobra dessa epopeia lusitana, o Portugal 3-0 Alemanha da terceira jornada do verdadeiro Grupo da Morte ao qual a seleção chegou liberta de quaisquer sobressaltos de última hora, com todos os ângulos cobertos, serenamente acomodada ao estatuto grande-surpresa-do-Europeu.
Acontecesse o que acontecesse, Portugal acabaria o grupo A em primeiro lugar e eu vesti uma t-shirt que dizia “Second Place is the First Loser” durante a longa caminhada em Roterdão até ao De Kuijp, do Feyenoord. Antes de entrarmos, trocámos umas palavrinhas num fast food com uns quantos adeptos alemães germanicamente seguros de um triunfo contra os portugueses e de um resultado alheio favorável no Inglaterra - Roménia.
Eles lá nos falaram no Jancker, no Kirsten, no Hassler, no Mathäus, discorrendo todos aqueles apelidos formidáveis de uma aristocracia envelhecida e falida, efabulando virtudes da Mannschaft; às tantas, lançámos uma pergunta irrespondível:
– Desculpem lá, vocês conhecem o Capucho?
– Quem?
Era previsível que o genial Humberto fosse mexer na equipa, para poupar músculos e dar minutos a outros, e a nossa bazófia era olímpica, indestrutível e irresistível a qualquer contra-argumentação, por mais sensata que fosse. Portugal iria jogar com a equipa B, com o Capucho a titular, e ia ganhar à Alemanha.
– Esperem que já vão ver.
Acertámos em tudo – o Capucho jogou e Portugal ganhou por 3-0, golos de Sérgio Conceição – menos na letra do abecedário, pois o genial Humberto apresentou a equipa C e lá para o fim ainda trocou de guarda-redes, para dar um cheirinho ao Quim, infligindo a inimaginável humilhação aos alemães.
Foi um massacre emocional e nós lá dentro do De Kujp, com a abóboda fechada e um calor dos diabos, ombro com ombro com outros patrícios a gritar “Auf Wiedersehen” e a entoar “A Portuguesa” aos adeptos alemães, grandes como árvores, que aceitaram a derrota e aplaudiram Portugal enquanto saíam de cena conservando alguma dignidade.
E assim foi:
Portugal 3-0 Alemanha, 20 de junho de 2000
Portugal: Pedro Espinha (Quim, 90’), Beto, Jorge Costa, Fernando Couto e Rui Jorge; Costinha, Paulo Sousa; Capucho (Vidigal, 71’), Sá Pinto e Sérgio Conceição; Pauleta (Nuno Gomes, 67’).
Alemanha: Kahn; Rehmer, Nowotny e Linke; Scholl (Hassler, 60’), Hamann , Matthäus, Balack (Rink, 45’) e Deisler; Bode e Jancker (Kirsten, 69’)
Golos: Sérgio Conceição (35’, 54’, 71’)
Relacionados
-
A final do Euro 2016. O dia em dia em que o Eder nos lixou a todos (por Diogo Pombo)
Porque a bola que Eder recebeu, protegeu, aguentou com três toques e rematou, desengonçado pela fé do pontapé, nos fará ter saudades para sempre do tal dia – o dia em que pudemos dizer que somos os melhores. A rubrica "O Meu Jogo" convida o cronista, jornalista, ex-jogador, seja o que for, a relembrar-se dos eventos desportivos que mais o marcaram, como adepto ou interveniente. Esta crónica foi originalmente publicada a 10 de julho de 2017
-
FC Porto 5-0 Benfica. Ó meu deus nosso senhor Jorge Nuno Pinto da Costa, foi das coisas mais bonitas que eu já vi (por Lá em Casa Mando Eu)
O dia 7 de novembro de 2010 será para sempre um dos dias mais felizes da vida de Catarina Pereira - e de Hulk e de Sapunaru e, bom, de todos os portistas, que festejaram uma mão-cheia de golos frente ao Benfica, numa época histórica. A rubrica "O meu jogo" convida o cronista, jornalista, ex-jogador, seja o que for, a relembrar-se dos eventos desportivos que mais o marcaram, como adepto ou interveniente
-
Vitória de Setúbal 0-0 Sporting. Calma, nós vamos ganhar isto nos penáltis. Defendi três e ganhámos a Taça (por Eduardo)
A primeira edição da Taça da Liga, em 2008, que o Vitória de Setúbal ganhou ao Sporting, por 3-2, nos penáltis, marcou o percurso do guarda-redes Eduardo que, a partir daí, ganhou outras asas. A rubrica "O Meu Jogo" convida o cronista, jornalista, ex-jogador, seja o que for, a relembrar-se dos eventos desportivos que mais o marcaram, como adepto ou interveniente
-
Os Belenenses: o título de campeão, os quatro secos ao Benfica e a desilusão no Jamor (por Patrick Morais de Carvalho)
Patrick Morais de Carvalho, presidente do CF Os Belenenses, já viu largas centenas de jogos, pelo que não conseguiu apontar apenas um: são quatro os encontros que lhe marcaram a vida, com a maioria deles a ser disputada, claro está, pelo Belenenses. A rubrica "O Meu Jogo" convida o cronista, jornalista, ex-jogador, seja o que for, a relembrar-se dos eventos desportivos que mais o marcaram, como adepto ou interveniente