Um Belenenses-Benfica para a Taça de Portugal, com golo de Reinaldo, que marcou o sonho de um adolescente (por José Morais)
O atual treinador dos Jeonbok Motors, da Coreia do Sul, ainda hoje se lembra da multidão que enchia o estádio do Restelo naquele domingo de maio de 1981, em que ficou atrás da baliza, a ver o Tejo. A memória agarrou-se à emoção e ao sonho, muito mais do que às jogadas ou ao golo. Porque os sonhos correm o risco de se tornarem realidade... ou quase. A rubrica "O meu jogo" convida o cronista, jornalista, ex-jogador, seja o que for, a relembrar-se dos eventos desportivos que mais o marcaram, como adepto ou interveniente
23.04.2020 às 8h32

Matthew Ashton - EMPICS
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Há um jogo que me ficou sempre marcado na memória, não tanto pelo jogo em si, mas por toda a envolvência e o que significou para mim. Foi um Belenenses-Benfica, para a Taça de Portugal, em 1981 [meias-finais, a 10 de maio de 1981], em que o Benfica ganhou 1-0, com golo do Reinaldo, aquele que depois andou nas bocas do mundo por causa de um suposto problema com uma das Doce.
Eu tinha 15 anos, já jogava futebol em Leiria e era benfiquista. Um dia o meu tio emprestado (que me criou) e era adepto do Belenenses, chegou-se ao pé de mim e disse: “Zé, vamos a Lisboa ver o Belenenses que joga com o Benfica para um jogo da Taça”.
Como benfiquista e jogador de futebol em início de carreira, fiquei logo excitado com a ideia. Afinal era a primeira vez que ia ver um jogo ao vivo, fora de Leiria. Ainda por cima um jogo daquela categoria, do Benfica. Eu que só ouvia os relatos na rádio e via jogos pela televisão.
Recordo que tivemos de deixar o carro lá em cima, no Restelo, e viemos a pé até ao estádio. Ficámos atrás da baliza, aquela de onde se tem uma vista incrível para o rio Tejo.

Matthew Ashton - EMPICS
Como disse, do jogo propriamente dito pouco me lembro, mas ainda hoje tenho presente aquela emoção de estar ali, num estádio grande com tanta gente, com tantos adeptos do Belenenses e do Benfica. Lembro-me de olhar para dentro de campo e ver uma data de ídolos, o Chalana, o Humberto Coelho, o Nené, de quem o meu tio costumava dizer que não sujava os calções a jogar, o Shéu, o Pietra, o "Luvas Pretas" [João Alves]... É engraçado porque eu na brincadeira comecei a usar luvas pretas nos treinos.
Vivi aquele jogo emocionado, como se estivesse lá dentro com eles, porque no fundo era com isso que eu sonhava, em jogar no Benfica, em poder um dia estar com aquelas estrelas.
E este jogo marca-me porque foi o primeiro que vi ao vivo do Benfica, ainda por cima fora de Leiria, na capital, mas sobretudo porque de uma maneira ou de outra o meu sonho acabou por tornar-se um bocadinho realidade. Nunca fui jogador do Benfica, embora curiosamente uns anos mais tarde ainda tenha feito uma pré-época, no Penafiel, com o Djão e o Alexandre Alhinho, que naquele dia jogaram pelo Belenenses; mas acabei por ser treinador da formação do Benfica e quem me fez a entrevista até foi o Nené.
Ou seja, de uma certa forma vivi o sonho que tinha quando fui ver aquele jogo, porque privei com quase todas aquelas personagens que estavam ali e tornei-me amigo de alguns deles. Eu hoje sou muito amigo do Humberto Coelho, trabalhei com o Bastos Lopes, o Nené, o Chalana, o Zé Luís, todos esses que estavam lá naquele dia.
É esta a mensagem que fica daquele jogo: sonha e acredita, nunca deixes de acreditar, porque por obra do destino a tua vida pode levar-te a viver esse sonho ou algo muito parecido.
(Depoimento recolhido por Alexandra Simões de Abreu)
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