Se há coisa que todos dispensamos nesta fase é ter que gramar com meia dúzia de doutores a derivar entre o catastrofista e o negacionista
A opinião de Duarte Gomes é um apelo aos profissionais de saúde que lutam contra a covid-19: "Qualquer discurso extremado é mau, mas os que impõem o medo fatalista ou incentivam à imprudência desregrada são piores"
27.11.2020 às 10h00

Patrick McDermott
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Tenho, desde sempre, uma admiração profunda por todos os profissionais de saúde. Acho que quem escolhe essa carreira - a que salva vidas, cura pessoas e devolve-lhes esperança e bem-estar - merece tudo de bom. Tudo mesmo!
Esta verdade é mais verdade agora, que a nossa geração atravessa uma fase difícil, com mais dúvidas que certezas, mais interrogações que convicções.
Nesta altura, a importância do seu trabalho e saber é exponencial e está à vista de todos: hoje, os profissionais de saúde são o nosso grande trunfo, o nosso maior aliado. São aqueles em quem mais confiamos.
Este reconhecimento tem duas faces, como têm todos os que alguém tributa a outrem. Ao mesmo tempo que lhes entrega confiança máxima, passa-lhes responsabilidade total. No caso, a responsabilidade total de saberem que contamos e precisamos deles a todo o momento.
É que o povo, cá fora, está desorientado. Perdido.
Sentimo-nos esmagados, entalados entre um conjunto de orientações rigorosas e uma mão cheia de exemplos contrários, que nos fazem duvidar de tudo e de todos.
Não sabemos bem como ou para onde caminhar. As notícias proliferam ao minuto, os extremos extremam-se ao segundo e é difícil distinguir o que está certo do que está errado.
Precisamos do seu saber científico. E precisamos que, ao menos esse seja coerente, incisivo e apaziguador. Precisamos que fale a uma só voz.

Zac Goodwin - PA Images
Nesta viagem, médicos, enfermeiros e demais especialistas são, para nós, uma espécie de assistentes de bordo num avião: o seu discurso, tom de voz e mera expressão facial podem minimizar ou tornar infernal os efeitos da turbulência exterior. São o nosso anestésico ou sentença de morte.
Quando alguém com tamanha responsabilidade esquece, ainda que momentaneamente, esse desígnio e passa a querer ser notícia, alguma coisa está mal. Ou a função que ocupa ou a pessoa em si. Geralmente são os dois.
Ultimamente, temos visto que uma pequena parte da comunidade médica a surpreender-nos pelos piores motivos.
Pelos vistos, resistir ao "estrelato efémero" não é para todos e há aqueles que parecem ter percebido tudo ao contrário: sentem-se o fim quando são apenas um meio para lá chegar.
Essa confusão, a da ilusão pela notoriedade social, é prejudicial a toda a gente. A eles, que se endeusam sem motivo e a quem acredita neles, que fica mais confuso do que estava.
O cenário agrava-se quando esse deslumbramento assenta em visões radicais. Aí é o caos.
Se há coisa que todos dispensamos nesta fase é ter que gramar com meia dúzia de doutores a derivar entre o catastrofista e o negacionista. Para dar cinzentismo à neblina, chegam e sobram os desocupados que se reproduzem nas redes coisas.
Agora de vocês, meus amigos, não. Quando optam por esse caminho, tornam-se péssimos exemplos.
Qualquer discurso extremado é mau, mas os que impõem o medo fatalista ou incentivam à imprudência desregrada são piores. São piores porque vocês tinham que ser os últimos a alimentá-los.
É com muita pena que vejo profissionais competentes, sérios e com provas dadas a alinhar acerrimamente nesses vértices, promovendo a revolta, a discórdia social e a divisão entre as pessoas.
Gostava muito que pudessem ter outra lucidez. Uma que lhes fizesse ver que essa guerrilha interna, esse esticar de corda, não beneficia ninguém e prejudica muitos. Prejudica-nos a todos.
Quando um médico opina publicamente, é o médico que opina publicamente. Não é o cidadão. Não é o Carlos, a Joana ou o António.
Às vezes, não se trata de dizer o que pensamos. Trata-se de fazer o que deve ser feito. E o que todos esperamos dos profissionais de saúde é que cuidem e tratem bem de nós, como sempre fizeram tão bem até hoje.